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O armário-livreiro

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Tinha traços evidentes de erudição bem patentes nas guarnições laterais, nos florões, e no alçado superior, encimado por talha. 

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A madeira era de castanho e casquinha, infelizmente bastante fina, o que lhe veio a trazer problemas graves com a idade. Empenou, rachou, viu-se remendado e, pior que tudo, em algum momento foi descuidadamente coberto com betume da Judeia. O castanho e a casquinha tornaram-se um falso ébano, com sinais de escorrência da tinta. 

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Foi posto de lado. E os livros que lhes terá acontecido? Almanaques com receitas e ensinamentos úteis para fazer licores, limpar metais, eliminar baratas, conservar os cabedais, tirar nódoas, fazer sabão... Manuais de podas e enxertias; policiais da “Colecção Fantomas” lado a lado com a “Biblioteca Cosmos”. Eça e Camilo também por lá estavam. Quem sabe Teixeira Gomes? Afinal o armário era igualmente algarvio…

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O restauro foi longo e difícil, incluiu enxertos em áreas em que a madeira estava muito deteriorada, com alguns trabalhos de entalhe. Atenuaram-se os empenos, melhoraram-se as uniões, removeu-se parcialmente o malfadado betume da Judeia. Não terá recuperado completamente a saúde, mas recuperou a sua antiga dignidade e o seu lugar na, agora renovada, velha casa. Partiu ansioso por lá chegar, abrir as portas e receber os livros!

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