top of page
Da coincidência das coisas…
​

Normalmente conhecemos o lugar de onde provêm os objectos, pois muitas vezes somos nós que os vamos recolher. Frequentemente desconhecemos o seu destino final, o seu futuro lugar e entorno.

​

Com este belíssimo conjunto de cadeiras e mesas de apoio Arte Nova, já com alguns laivos de transição para Deco, foi exactamente o contrário. Estavam provisoriamente depositadas num ateliê de arquitectura que era uma verdadeira “cápsula do tempo”, não do tempo delas, mas sim dos anos 60; estiradores, estantes, secretárias, cadeiras, arquivadores Olaio por todo o lado. O ateliê não tinha a ocupação de outrora, o que acentuava ainda mais a atmosfera de regresso ao passado, mas tudo estava perfeitamente limpo e arrumado, era acolhedor, tranquilo e, certamente, muito inspirador para trabalhar.

​

O conjunto Arte-Nova era o que até agora de melhor havíamos visto em mobiliário dessa época. Tudo se conjugava na perfeição, desenho, material e execução. Provavelmente nogueira, provavelmente de fabrico importado.

​

O proprietário falou-nos do lugar e da casa onde pretendia instalar o mobiliário a restaurar. A breve trecho descobrimos que conhecíamos bem a casa. Não porque lá tivéssemos estado, mas simplesmente através de um amigo comum que, anos antes, muitas vezes nos havia descrito esse lugar maravilhoso, em plena serra da Estrela, moradia modernista implantada no meio de uma natureza simultaneamente bela e agreste.

​

Casa que acolheu tertúlias de artistas modernos, sufocados pela ditadura e que ali encontravam um espaço de liberdade para discutir e criar. Casa que esteve ameaçada por poderes e interesses que não conseguem compreender o significado desta casa, muito para além da bela peça de arquitectura que indiscutivelmente é. Interesses e poderes contra os quais o actual proprietário teve de lutar durante anos, até conseguir salvá-la.

​

Só podia ser uma história com um final feliz. Por isso tratámos delas com especial cuidado e carinho. Nunca lhes pedimos que nos contassem nada. Na verdade o seu passado não tinha qualquer interesse para nós. A cada colagem, a cada polimento, pensávamos apenas no seu futuro. Que mesa iriam as cadeiras rodear? Como se disporiam as banquetas? Talvez a par, junto a uma janela, gozando uma vista soberba. E o elegante suporte de vaso ou jarra, que objecto receberia?

 

Sabíamos que havia uma jovem leitora compulsiva, sem dúvida que seria a principal utilizadora do canapé! Que leituras iria lá descobrir? Talvez ainda não tivesse lido os Bichos ou os Contos da Montanha. Mais tarde certamente leria lá a Montanha Mágica e, com essa leitura, iria compreender ainda melhor o lugar, a casa e a família de onde provinha.

bottom of page