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Homeless
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Era de noite e chovia, jazia no passeio virada ao contrário numa rua que, por ironia, se chamava da Esperança. Tinha o ar da maioria dos que não têm casa, alheios, indiferentes e desesperançados.

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De uma extrema elegância e simplicidade, vimos logo que era de boa linhagem, no caso Olaio. Na sua época tinha rompido com os cânones do ancestral provincianismo lusitano, afirmando a modernidade de uma classe social mais culta, desejosa de “estrangeirismos”. O que se terá passado depois? Terá vivido sempre na Esperança? Os sinais de maus tratos eram bem evidentes, faltava-lhe um pé, apresentava queimaduras de ferro e cigarros, manchas de copos; de tão empenadas as portas nem sequer corriam, não vinha certamente de uma boa casa; a quanta decadência e desleixo não terá assistido? Tivemos grandes dificuldades em a meter dentro do carro. Deu entrada na oficina às 23h 45. 

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A recuperação foi penosa e difícil, as portas foram submetidas progressivamente à pressão de grampos, quase até ao limite da sua resistência, com banhos de água a altas temperaturas. Na oficina havia quem não acreditasse na possibilidade das portas desempenarem. Nós sempre tivemos a Esperança que sim… A eliminação das manchas foi também morosa, mas semana após semana foi sempre melhorando até que recuperou. Mal terminámos colocámos-lhe alguns livros da sua época, afinal ela tinha sido criada para isso mesmo; ficou mais elegante que nunca… 

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